sábado, dezembro 21, 2019

A escolhida

Adalgisa sempre tinha sofrido nas mãos da família – se é que podia chamar aquilo de família. Era obrigada a morar na casa de uns tios distantes, que nunca tinha visto antes de perder os pais. Às vezes a vontade que dava era de sair socando todo mundo ali, mas não tinha muita opção… A alternativa era ir para um orfanato.

Seu suplício começara havia 11 anos, mas pareciam décadas. Ela aceitaria qualquer coisa para se livrar daquele lugar. Inclusive uma águia de duas cabeças falante entrando no seu quarto.

A águia estava lhe dizendo agora que Adalgisa era a escolhida. Quer dizer, uma das cabeças dizia isso, porque a outra desmentia tudo em seguida, afirmando que sua companheira tinha comido um esquilo alucinógeno.

Tentou fazer algumas perguntas, como "Escolhida por quem?", "Escolhida para quê?", "Fui escolhida democraticamente ou é ditadura?", mas cada cabeça respondia uma coisa e ela começou a ficar maluca.

Por fim, tinha que fazer uma escolha ela mesma, entre ir para São João de Pirapirapirô ou Barra de Saia Longa. Qual cabeça parecia mais convincente?

Ela deu um pulo quando a campainha tocou. Os tios nunca recebiam visita... Saiu correndo para abrir primeiro, derrubou o primo da escada, deu uma rasteira no tio e jogou a tia pela janela. Já não se importava mais com nada. 

Um homem enorme estava à porta, sua moto fumegando atrás.
– Adalgisa? Vim buscá-la.
– Você acha que eu vou sozinha com um estranho barbudo e sujo, nessa moto de quinta categoria?
– A Escola de Magia de Aroeira espera a senhorita há anos…
– Aroeira? Onde raios fica isso?
– Não podemos revelar. Só poderei comentar mais quando chegarmos ao destino…
Adalgisa gargalhou.
– Golpezinho malfeito, hein? Leva sua águia de duas cabeças e mete o pé!

Ela bateu a porta e resolveu que já estava na hora de ir morar sozinha.