terça-feira, dezembro 29, 2009

Um pedido

Eles querem-na de volta. O que foi feito de sua casa? Ela sumiu num certo dia e já se passa quase 1 ano que não a veem. Morando em caixas de papelão, espalhados, desorganizados, empoeirados, amassados, esquecidos... Já não se sabe direito o que cada caixa reserva aos que a rodeiam. Diversos tesouros empilhados a esmo, sem uma ordem adequada. São depositários de letras e mais letras, que a princípio parecem apenas desenhos dispersos por uma superfície de celulose, mas que, ao unirem forças, geram algo tão surpreendente que nunca ninguém conseguiu, nem conseguirá, esgotar essa fonte.

A maioria deles foi trazida para lá pelo irmão de Liesel Meminger, filha de Markus Zusak. O garotinho, ainda pequeno, branquinho e de cabelo meio arrepiado na frente, aparecia no quarto e deixava, cada dia um – às vezes dois ou até três -, na casa que ainda existia, aliás, que ainda estava lá. Mas foi só no começo. Alexander – mais conhecido como Axt – chegou um dia e se espantou de ver que todos estivessem em caixas. Onde estava aquela grande estrutura de madeira, com diversos andares? Arrumou-se um jeito. Porém, aqueles livros já não suportavam viver embaixo de um pano sujo de tinta, tantos e tantos, que Axt já nem mais sabia quem estava ali ou não; não registrara a identidade de cada um. Melancólicos, os livros já iam perdendo sua identidade, sem saber o que era um lar. Outros mais vieram se juntar a eles, através de um veículo que transitava embaixo do oceano.

Até que chegou o momento em que até o menininho resolveu parar de levar a cabo a sua arte. Do que aquilo valia se os livros permaneciam negligenciados e perdiam seu encanto e seu poder mágico? Eles ainda não entendem por que aquele senhor de paletó e chapéu coco apareceu um dia, prometendo reformar a casa deles, e depois sumiu, levando a estante que lhes dava guarida. Só não há choro porque as lágrimas podem enrugar e manchar as páginas já empoeiradas. Mas os livros pedem encarecidamente solidariedade e respeito nesta época que teoricamente deveria ser de harmonia e perdão.


*Baseado em fatos reais.

segunda-feira, dezembro 14, 2009

Hoje Livre Sou

Pra variar, sempre tem que ter um texto-de-final-de-ano em dezembro. Lembrar o que aconteceu, fazer um “balanço” e planos para o ano que vem... Acho construtivo e saudável, sim. Ainda mais agora em 2009, pois foi um ano muito especial.

Como não sou economista nem tenho ações na Bolsa, não estava preocupado com “marolinhas” ou não, e com previsões de 2009 ser o pior ano de todos. Só não esperava que fosse ser tudo o que foi – de bom.

2008 não havia terminado bem para o grupo da Igreja de que faço parte, a Comunidade Duc in Altum: muitas “baixas”, desânimo, a iminência de acabar. Eu fazia parte do grupo desde seu início em novembro de 2005, a partir de um grupo de Crisma, passáramos por altos e baixos, mas acabar era algo muito forte e que nos derrubava.

Fora naquele grupo que eu começara a me engajar na Igreja, a amá-la e a Deus, onde fizera grandes amizades e conhecera minha namorada, mas não estava dando mais certo. Um membro da Crisma se ofereceu para nos ajudar e deu uma palestra. Ao final, a foto da reunião do grupo cheia, todos alegres, e ele nos questionou sobre o que tinha acontecido com aquelas pessoas e com aquele grupo tão ardoroso.

Ah, aquilo, bem ou mal, tocou no nosso orgulho: iríamos deixar a Comunidade acabar sem fazer nada, justamente depois das fundadoras terem se ausentado contra a vontade? Poderia ser Vontade de Deus que não continuasse, mas não acabaria sem luta. A coordenação mudou – eu fui um dos que saí – e fizemos reuniões de partilha e de oração; precisávamos crescer e nos unir. As reuniões voltaram a acontecer, chamamos pessoas novas, mudamos nosso jeito de ser, querendo partilhar e viver realmente juntos, e nos formar na doutrina, e missionar as casas com a presença de Nossa Senhora, e louvar a Deus todo mês.

As reuniões de equipe foram imprescindíveis para nosso crescimento e planejamento, até o Padre Carlos, nosso diretor espiritual, está sendo tocado e animado para esta nova missão renovada e restaurada. Como o Nelson, coordenador, disse, foi o ano da Confirmação: sim, Deus quer que continuemos, e a nossa festa de 4 anos comprovou isso. “Uma comunidade de barquinhos”, como o padre falou, em que ninguém naufraga e ninguém sai: “Desde a primeira vez que você põe o pé na Comunidade, você nunca mais deixa de fazer parte dela.”

É o ano de 2010 que promete agora. Promete também na minha vida profissional. Formado em Jornalismo, com uma monografia que deixou de ser um bicho-de-sete-cabeças como eu pensava, mas, ao contrário, foi uma bênção, pela oportunidade de estudar a Comunicação dentro da minha Igreja. Os professores até disseram que vai “virar bibliografia”, uma honra dada por Deus.

Mas não é Jornalismo que eu quero. Especialmente durante 2009, pude confirmar, em meio ao estágio dentro de uma editora de livros, conversando com amigos do ramo editorial e estudando na faculdade, que essa é a minha área de verdade. Sempre fui apaixonado por livros, por textos, Português, línguas e afins, mas não era em Letras que eu encontraria minha casa. Mas em Produção Editorial, uma habilitação do próprio curso de Comunicação em que acabei de me formar. Cheguei a querer sair de Jornalismo, desanimado, mas o incentivo das pessoas me dissuadiu.

Se não fosse por isso, como teria ido para o estágio na Assessoria de Imprensa da editora e feito grandes amigos? Se não fosse por isso, como poderia me formar e pedir manutenção de vínculo, podendo conseguir o diploma de PE em apenas 2 anos? E, para completar, após pedir muito a Deus, dezembro também me presenteia com uma vaga de estágio na área editorial, e justamente na parte textual! Amanhã começará esta nova fase em minha vida. Em dezembro, em primeiro lugar mês do nascimento de Jesus, mas também da Imaculada Conceição, cuja intercessão foi valiosa.

E todas as dores e tribulações eu pude suportar com a Presença essencial de Deus, mas também com a presença da Carla, que não me abandonou nem quando eu mesmo não dava razão para que ela continuasse, por eu estar mais dentro de outras coisas do que dentro do relacionamento. E, para reforçar nosso laço, outra mudança ocorrerá no início do ano: depois de 2 anos, voltaremos a servir juntos e, para isso, sairei de um outro serviço, em que já estava há 5 anos. E o serviço será na capela... da Imaculada Conceição.

Como falei, tenho confiança em Deus de que 2010 será mais um grande ano, abundante de graças. Deus sempre esteve e continuará olhando por mim. E por cada um de nós. É só se entregar a Ele e a seu Amor Incondicional. Seus caminhos são insondáveis, mas Ele sabe o que é melhor para nossas vidas. Eu tenho certeza disso! Tenha você também.

quarta-feira, junho 03, 2009

A incidência sonora das ondas fantasmagóricas

Cidadãos do meu território varonil!

Venho por meio desta conclamar-vos a usurpar a diferença dos pagãos. Não é cabível que escalafobéticos batráquios dominem tantas potestades hediondas! Basta de usura ignominiosa!

É claro como a água cristalina e límpida que proceder peremptoria e drasticamente acarretará um engavetamento colossal, contudo não podemos nos ater a soluções belicosas e catedráticas!

Proclamo, a partir de outrora, deveras cleptomaníaco e mentecapto todo aquele que escorregar pelas baias marginais da metrópole e ousar tropeçar nas franjas energúmenas dos pecados irrisórios!

Outrossim, outrem outorgará outros outeiros ou todos se arruinarão esdruxulamente. E o que sucederá à vida extraterrestre? Marcianos escaparão desabalados pela via magnética transatlântica e surgirão rola-bostas fosforescentes e transgênicos mutantes. Não presumo pânico e faniquitos megalomaníacos, todavia haverá bile sulfurosa durante a fotossíntese indígena. Oxalá!

Vossas Senhorias injetarão soporíferos suínos em clavículas pedintes, sem ardilosidade e conjecturas exegéticas, entretanto a hermenêutica herética sobressairá, mister assaz sotoposta e circuncidada, posto que abastecida.

Moiras desembestadas regurgitarão protozoários apocalípticos e múmias paralíticas tombarão milimetricamente petrificadas e fatiadas à francesa e com francesinha.

Sem mais, espectadores de palavras ordenadas como zumbis lançarão seu desenrolar dos minutos no receptáculo das porcarias.

domingo, abril 26, 2009

Ela

“Ela é bonita”, pensei, na terceira vez que a vi. Por que terceira? Não sei, das outras vezes não prestei muita atenção. Mas ali, em meio a um jogo na casa de uma amiga, olhei melhor.

E, desde então, do meu jeito, sempre tentava estar ali próximo e me tornei amigo. Mas, como sempre, só amigo mesmo; uma sina. A vantagem é que, regularmente, três vezes por semana eu a encontrava, em grupos da Igreja. Não adiantava.

Mandei depoimento pelo Orkut, demonstrando meu amor... “uma garota que conquista qualquer um, com seu jeitinho fofo e doce”. Ela gostou muito, ela sabia que eu tinha interesse, porém eu não fazia mais nada... Não vai dar em nada mesmo mais uma vez...

Os meses se passavam. Surgiu um acampamento, um retiro católico. Eu fiquei com muita vontade de ir, ainda mais que lá ela iria. Mas acabei trocando o preço e achei que não teria dinheiro. E desisti. Mas ela foi e, quando soube do erro, me arrependi.

Ela voltou pulando de alegria junto com nossos amigos, falando que era maravilhoso. Ah, no próximo eu ia, só que tinha perdido a grande oportunidade... Pois cada um apenas podia fazer uma vez.

Mais tempo se passou e lá estávamos nós em viagem: rumo a São Paulo, para ver o Papa, junto com muitos outros jovens. Mas por que eu estou contando isso? Todos já sabem que sou devagar e que aquilo tudo mais parecia casamento, de tanto “arroz de festa”. Então será que ia dar casamento?

Mês após mês, mês após mês... até que se aproximava novamente o tal acampamento. Agora eu não podia deixar de fazer. Sem ela, mas também não queria dar muita bola mais, já estava chateado.

Missa de Santa Teresinha na paróquia dela. Estava lotado. Encontrei uma amiga da faculdade. Fui junto com a menina para a frente da igreja e passei direto por ela. Hora da Paz de Cristo. Ah, vou lá dar a Paz! Deixei rapidamente a menina e ela já estava lá com seu grande sorriso, marca característica dela.

“É uma garota linda, sempre com seu sorriso que ilumina qualquer lugar para onde vá, que irradia ânimo e alegria para as pessoas ao redor.” Outra frase do depoimento do Orkut, que não pude deixar de enviar para ela de novo, no dia seguinte. “Amo seu sorriso!”

O retiro estava próximo e uma menina da igreja, que nem conhecia direito, se ofereceu para emprestar um saco de dormir – estaria muito frio e eu ia precisar. A menina levou-o num evento onde eu e ela estávamos e depois, durante o lanche, ficamos conversando. Porém, ela entrou no meio da conversa e ficou sozinha conversando com a menina. Depois com o tempo se percebem as coisas.

Chegou o tão esperado dia: dia de viajar para o acampamento. Cinco dias fora. Retiro realmente maravilhoso, de união, oração, amor. Ali me desliguei do mundo. Mas um dos ótimos momentos do acampamento aconteceu: em meio à forte escuridão, no meio do mato, os coordenadores falavam de forma impressionante: “Imagine que você fosse morrer agora. Pense em cinco minutos: O que você faria antes de ir embora?” No meio do turbilhão de diversos pensamentos, veio à minha cabeça: dizer a ela que a amo. Sim, nunca tinha dito isso diretamente.

O retiro foi se seguindo, até o último dia, de grande comoção, com o Espírito Santo agindo. Dia de se despedir do acampamento. No ônibus, um dos coordenadores veio fazer uma pesquisa sobre se eu indicaria alguém para o retiro. “A namorada, não?” “Não tenho.”

Ele voltou para seu lugar. Porém, resolveu me chamar para seu lado no ônibus.

- Eu não podia deixar de falar com você, não podia ficar guardado comigo. Sabe por que eu te fiz aquelas perguntas, perguntei se você tinha namorada? Durante o momento do Espírito Santo, quando estava impondo minhas mãos sobre você, Deus me falou que a sua namorada estava chegando.

Fui surpreendido.

- Isso quer dizer alguma coisa pra você?

- Não. – eu já havia perdido as esperanças e até estava um pouco irritado com isso.

Voltei para meu lugar, sem entender direito. Mas, ao mesmo tempo, também inconscientemente motivado para falar com ela.

Liguei no dia seguinte e falei bastante. Falei dos 5 minutos, que foram o único momento que lembrei de verdade dela. Ela ficou meio desapontada. Liguei no outro dia. “Posso ir aí?” Me arrumei todo. Dei um forte abraço nela. Falei, falei, falei. Nada de mais. Que droga, não consigo! Mais um telefonema, no dia seguinte. Tentei expressar o que estava guardado... não de forma satisfatória. Deprimente.

No domingo próximo, seria o churrasco pós-acampamento. Comentei com ela e ela falou que queria ir, mas tinha vergonha de chegar sozinha. Será? Pedi algumas orientações e fui buscá-la no dia. O caminho até o churrasco já estava traçado estrategicamente.

“Queria falar uma coisa com você. Vamos sentar aqui?” Era um banco de concreto, numa pracinha tranquila. Ela pareceu nervosa. Falei o que estava preso há meses. E foi o primeiro beijo.

Não começamos logo a namorar. Mas, dentro de pouco tempo, “minha namorada chegou”. Depois de 10 meses.

E hoje estou junto com ela, e cada dia mais com a certeza de que Deus está do nosso lado, e nada nem ninguém no mundo vai nos separar.

Não disse que dava casamento?

domingo, fevereiro 15, 2009

Rumo ao mundo mágico

Admirar e contemplar a vida. Não aquela mesma conversa do texto anterior, mas acho que uma natural continuação.

Nesta minha saga de querer observar a vida, encontrei nos livros e na literatura meus aliados. É nos milhares de mundos presentes nos textos, nas histórias que consigo absorver tudo o que a vida tem a ofertar. Inúmeras perspectivas e novos ângulos presentes no mundo que nunca poderia deslumbrar ou sobre os quais nem poderia pensar, são caminhos que os livros me abrem.

A boa literatura, com toda a sua carga poética, suas metáforas, sua sensibilidade, conseguem nos pôr novos olhos para enxergar o viver. Adoro estar na pele de diversos personagens, percorrendo diferentes mundos reais, fictícios ou numa mescla dos dois, pensando sobre o que está ao meu redor, e não simplesmente captando tudo por osmose, mas filtrando e elaborando e ruminando e transformando...

É o mundo da linguagem, das línguas, símbolos, desenhos que se juntam num emaranhado, que dançam, se associam, pintam e bordam, e perfazem um sentido todo especial, manipulado com maestria pelos grandes escritores. Símbolos que têm sons próprios e fluem, voam, se chocam, se pronunciam ou travam, em conversas e falas e apresentações que se enchem de significado porque nós aprendemos na escola a capturá-los e a decodificá-los e a revertê-los em novos despejos de ruídos e rabiscos.

Um mundo mágico pelo qual sempre me fascinei e sobre o qual sempre quero saber mais e estudar e conhecer e destrinchar e passear por seus caminhos. Sempre estava em minha mente, mas por que não consegui perceber antes que ali estava minha verdadeira vontade? Por que fui seguir por outros papéis, também de letras e sons, mas não tão mágico e fascinante?

Medo, pressão, falta de jeito... vários fatores podem explicar... mas o amor volta e não é possível refrear. O desejo, a vontade, o ânimo, a instigação! Será só uma paixão, cuja chama, em certo momento, se extinguirá? Creio que não.

Creio que encontrei meu caminho, para este mundo mágico. Sempre tive pistas, vindas de amigos, professores, aulas, mas não queria dar ouvidos a elas e fingia não ver. Vou agora mergulhar. Rumo a águas mais profundas.

segunda-feira, fevereiro 02, 2009

Frenesi

Um turbilhão de idéias. Um turbilhão de interesses. Minha mente fica a mil, pensando em várias coisas ao mesmo tempo.

Ora são livros, ora são filmes, ora é o blog, ora é o Twitter, ora são meus livros e histórias em quadrinhos, a Comunidade, o namoro, a UFRJ, a UERJ, a literatura, os amigos, a vida!

Tantas coisas pra fazer, tantos objetos interessantes, tanta imaginação, criatividade, vontade de escrever, de se divertir, de extravasar, de desenhar, de ensinar, de amar!

Sempre existem momentos de tédio, mas como ter tédio com tanta coisa? Numa hora, minha cabeça só pensa num assunto, na outra perdeu todo o interesse por ele e só pensa em outro; em um minuto tem preconceito sobre algo, no outro não sai daquilo...
Desconfiava que fosse bipolar, mas agora já vejo que não: na verdade sou multipolar!

Quero temas que me instiguem, atividades que incentivem meus pensamentos e idéias e alucinações e divagações, minhas viagens! Coisas que façam viver a vida, ainda que seja a meu modo, de forma mais introspectiva e contemplativa, mas também social e animada.

Por que esquecemos de admirar nossa vida, de ver o mundo como se fosse com olhos de criança, olhos virgens? Por que não podemos sentir e descobrir tudo de forma especial?

Em suas crônicas, Rubem Braga sempre busca esse alumbramento pelas coisas simples -mas tão importantes - da vida. A natureza, a solidão, a amizade.
E Jostein Gaarder, autor do famoso "O Mundo de Sofia", defende essa visão "filosófica" sobre a vida, como se nascêssemos de novo.

Questionar as coisas - os inúmeros "por quês" da criança -, deixar a beleza aflorar.

"Viver, e não ter a vergonha de ser feliz! Cantar a beleza de ser um eterno aprendiz!"

Pode não ser tão fácil, mas é sempre bom tentar.

terça-feira, janeiro 20, 2009

Na Casa Verde

Itaguaí. Um senhor alto, de óculos, está sentado em uma cadeira, absorto em suas reflexões. Sua mão apoia a cabeça, em meio ao emaranhado da barba, e seu olhar está fixo em um ponto qualquer da casa de paredes brancas e janelas verdes. Batem à porta.

Calmamente, o Dr. Simão Bacamarte se levanta e anda até a porta de entrada. Abre-a de supetão.
- Olá, caro doutor! – um homem moreno de cabelos revoltos exclama - Há tempos que não nos víamos! Posso entrar?
Diante de um esboço de sorriso do alienista, Hilário adentra a Casa Verde, olhando em volta.

- Oh, esta casa parece meio descuidada, vazia... Só você mora aqui, não?
- Meu caro Hilário – a voz gutural do doutor se faz ouvir – o senhor crê que perderia meu precioso tempo com futilidades? Os pensamentos e descobertas que estão por vir são muito importantes para minha vida e esses, sim, me nutrem.
- Sim, concordo com você. Os livros que escrevo e também minhas histórias em quadrinhos, desenhos, são os que me fortalecem. Meus personagens vivem em mim e ao meu redor e convivem comigo. Vejo-os sempre ao meu lado, mas... acho que deva ter bom senso!
- Creio que, tempos atrás, internaria o senhor aqui na Casa Verde, porém, agora, este lugar é reservado somente para mim, o único digno deste espaço sublime...

A campainha toca de novo, contradizendo o médico. Passos fortes e a porta se abre.
- Doutor Escopeta e meu amigo Cômico! Que bom vê-los! – um garoto super-risonho está na soleira, com os braços abertos.
- Ah, não, lá vem de novo ele com suas piadinhas! – Hilário exclama insatisfeito.
- Ora, ora, se vocês não gostassem não teriam me chamado aqui.
- Mas não fomos nós que te chamamos, Pacadinho. – o escritor retruca.
- De qualquer forma vou entrando, messieurs.

A porta se fecha e a luz exterior some, deixando o cômodo na penumbra.
- Vocês não acham que devíamos acender alguma luz, não? Não virei morcego ainda! – ironiza o menino.
- Somente consumo minhas velas, valiosas para o estudo, em circunstâncias especiais. E creio que este é o caso.

Dr. Bacamarte pega uma caixa de fósforos em cima da mesa de estudos e acende uma vela já quase toda consumida.
- Sentemo-nos em volta desta vela para aproveitarmos bem sua luz. Para usufruir dela ainda melhor, lerei algumas anotações minhas realmente geniais.
Hilário e Pacadinho se sentam e se entreolham, resignados.

Neste momento, um grito assustador se ouve e os dois quase caem de suas cadeiras. Somente o doutor está impassível, olhando seus manuscritos. Um homem baixo e gordinho aparece no raio de luz da vela, gargalhando.
- Seu idiota! – grita raivoso Hilário – Tinha que ser você, sua mala!
- Sr. Furtivo Bag, a seu dispor – o homenzinho estende a mão pegajosa, sarcasticamente – Ah, alguém tem um cigarro aí ou algo que se possa fumar?
- Isso, continue fumando bastante e bata logo as botas!
- Sempre o certinho irritadinho, né, Sr. Cumaddig? Não sei para que vim a esta joça!
- Não se impaciente, saberão agora. – uma voz diferente das outras é ouvida.

Um homem alto de cabelos negros surge da escuridão e se posta entre o doutor e o menino.
- Quem é você? – pergunta, insolente, Furtivo.
- Sentem-se. – todos se ajeitam sem questionar – Por que vocês vieram?
- Não sei. – falou Pacadinho - Só sei que tive uma vontade impressionante de vir, como se a Casa me atraísse. Achei que estava ficando lelé, que nem o Doutor Carabina.
Os outros concordaram.

- Pois bem, fui eu que os convoquei. – todos se entreolharam, menos o médico – Meu nome é Machado. Vocês, bem ou mal, se conhecem já. Esbarram-se por aí. Mas possuem uma ligação muito mais forte do que podem imaginar. Entre si e comigo.
Todos o olhavam em silêncio, até Dr. Simão se mostrava interessado.
- Vocês são como irmãos e são como meus filhos. Quando sou inventivo e criativo, recorro ao Hilário. Quando sou engraçadinho, recorro ao Pacadinho. Quando sou maluco ou casmurro, recorro ao Dr. Simão. E quando me viro ao avesso e me mudo... sou o Furtivo. Muitas vezes vocês não aparecem sozinhos, há momentos misturados, é inevitável, por isso já se conhecem. E vocês todos estão dentro de mim, fazem parte de mim, estão aqui – Machado coloca a mão no coração – e aqui – repousa a mão na cabeça. Não sei se existem outros, mas vocês farão parte da minha vida para sempre.

Havia uma grande emoção no ar.
Todos se aproximaram e Machado os abraçou de uma vez só.
Fechou os olhos. Soltou-os.
Olhou em volta e eles já se haviam ido. Sozinho mais uma vez na Casa Verde.

sexta-feira, janeiro 16, 2009

A escrita correta

Todo mundo já escreveu texto sobre a reforma ortográfica, com destaque para os textos engraçadinhos cheio de palavras com tremas. Eu não queria ficar de fora. Mas não será um texto engraçadinho – por encreça que parível – pelo contrário: imagino que meus 435 desleitores irão “cabecear” de sono.

A mudança mais insignificante, sem penumbra de dúvida, é o anexo das letras K, W e Y ao alfabeto. Ué, mas elas já não faziam parte? Vejam os nomes bizarros que as pessoas gostam de colocar, com essas letras “estrangeiras”, além dos milhares de estabelecimentos que preferem usar um nome em inglês do que em nossa língua nativa – ridículos, diga-se de passagem. Nem incentivar um maior uso vai.

A transformação contra a qual mais me rebelei foi a do trema: como assim abolir o sinal que dá voz ao U? Podíamos aproveitar a emergência da letra K e escrever “trankilo”, afinal, para que serve essa droga desse U? Viraremos argentinos. OK, é exagero, será uma questão de prática e, como disse João Ubaldo, não se fala como se escreve. Aliás, será que agora vão parar de falar “qÜestão”? Seria uma bênção! Ainda assim, acho que o trema só facilitava a pronúncia.

Na verdade, a prática está envolvida em todas as mudanças. Aos poucos nos acostumamos... Mas e as pessoas que passaram pelo outro Acordo ainda não têm dúvidas e acham que se escreve “flôres”? Mas elas não devem escrever muito, sei lá. Vai ser difícil me acostumar com a idéia... opa, cai o acento! O mesmo caso da pronúncia. Mas “pera lá”: a gente não precisa de acento para falar “agora” com som aberto, então... mas que é estranho é. E também fica uma feiura só escrever assim. Mas está certo que não faz diferença sem acento.

Ainda no campo dos acentos, se esborracha no chão das palavras o acento de “averigúe”. Alguém usava isso? Para dizer a verdade, achava que era “averigüe”. Legal que agora as crianças ficarão ainda mais em dúvida, sem o acento e o trema possível. E os voos sem acento da Gol? Não acho um escândalo, não muda tanto. Só tem um perigo: criança ver as letras “estrangeiras” e pronunciar como inglês, “Eles ‘crim’ em Deus”. Tudo bem, é brincadeira.

Vou aproveitar a “unificação” do Português e vou começar a escrever “matrimÓnio” e colocar o verbo “andar” no passado como “andÁmos”. Com sotaque e tudo, ora pois. Contudo, o acento diferencial me tira do sério: para com isso! Para para pensar. Pior do que isso, só termos que escrever agora “coriano”! Caraca, a Coreia está revoltada! Primeiro perde o acento, depois o E!

Continuando os barbarismos, o sempre problemático caso do hífen. Ninguém sabia antes, agora parece que tem uma lógica. Vogal igual e H hifeniza; R e S dobram, a não ser que o prefixo termine com R (exemplos bizarros que vi no jornal: super-rato e supersaci). E tem uns prefixos que sempre são com hífen, aí trate de decorar e/ou ter bom senso. Mas parece que resolveram manter junto “coordenar” e “coabitar”. Assim não coopera com a gente! Não querem o nosso benquerer! (que junta!)

Porém, o mais inexplicável é a tal “noção de composição”: quando as palavras que formam um substantivo composto perdem seus significados e só sobra o significado da palavra como um todo, o hífen é morto pela Flora. Foi um tal de hífen tentando defender suas palavras compostas que não está no gibi – claro, a HQ ainda não está adequada ao Acordo. As vítimas foram justamente o mandachuva e o paraquedas (já sem acento). Realmente, o todo se perdeu em manda-chuva e só poderíamos denominar assim São Pedro. Entretanto, por que para-choques, para-lamas, para-brisa e para-raios continuarão com o hífen? A resposta é óbvia: porque a Flora está presa. E o mestre-sala continua salvo também.

Resta-nos viver nosso dia a dia (precisa dizer que perdeu hífen?) e não achar que os criadores deste Acordo são caras de pau – ainda mais que já estão mortos. Agora só não venha me dizer que Portugal sofrerá mais com com a reforma. Eles apenas vão tirar as letras que já não eram pronunciadas e o H de “húmido”, por exemplo. Ou seja, coisas que já não faziam diferença, pois outras mudanças já tinham sido feitas em 1945 lá.

O bom de tudo é que agora as pessoas acham que todos os acentos caíram e estão confusas. Quem não sabia escrever vai continuar sem saber, e quem sabe... não sabe mais. Espero que simplifique mesmo e traga a tão falada vantagem política e cultural.

terça-feira, janeiro 06, 2009

Ilda

19 de dezembro. Esse foi o dia da primeira ligação. No estágio. Atendo o celular. Ligação a cobrar. Espero - quem sabe se não é alguém mesmo? Escuto uma voz estranha de um homem, falando seu próprio nome. Que não entendi, mas dá pra perceber que é engano. Desligo sem falar nada.

Lá está o celular tocando de novo. Desligo sem cerimônia. Mas por que não aviso que é engano? Ah, já não é a primeira vez que alguém me liga direto por engano.

No ônibus, indo para uma festa. Celular. Já decorei o número do celular, lá está ele. Sem paciência, resolvo dar uma trégua. Atendo. Ligação sem cobrar. "Ilda?" Meu nome é Gabriel. Falo com o senhor, acho que entendo algo de hospital e esposa. Engano, desligo.
Muitas vezes o celular ainda toca, muitas vezes eu desligo.

Outro dia. O número fatídico. OK, eu atendo. "Ilda?" "Quero falar com minha esposa. Tá caindo errado." "Senhor, o número que está errado, não tem como cair várias vezes errado."

Fico com pena do homem. Ele tem um jeito de falar de pessoa humilde, parece de interior. Está realmente querendo achar Ilda. Parece algo urgente, premente. Será mesmo um hospital?

Mas como ele não sabe onde está a esposa? A esposa fugiu, ele tem um número falso. O meu número pertencia à esposa. Ela se livrou do número. Ele não está bem, está num hospital. Quer falar com ela.

O celular toca. Atendo. Ligação a cobrar. Os créditos sumiram. Continuo. "Ilda?" Explico novamente ao senhor.
Nova ligação. Mais desculpas. Ele não consegue, não quer entender o que se passa.

Sou muito curioso. Por que não pergunto o que está acontecendo? Mas pra quê? Em que me interessa de fato? Deixa o homem sofrer sozinho.

Ele não ligou mais. Acho que entendeu.

Descanse em paz.

quinta-feira, janeiro 01, 2009

Ano Novo, Canção Nova

Como alguns devem saber, fui à Canção Nova nesta passagem de ano. Para quem não sabe, é uma comunidade católica de Cachoeira Paulista, muito conhecida na Igreja, carismática, e que possui um terreno e um trabalho enormes.

Fui pela primeira vez, com minha família. Conheci a TV e a Rádio que eles possuem – e que farão parte de minha monografia – comprei algumas lembranças e vi um show. Para fechar o dia – pois só ficamos 1 dia por lá, infelizmente – a missa da “virada”, que começou às 23h30 do dia 31.

Na homilia, o padre vem nos falar do Ano Novo e das inúmeras promessas que se agregam a ele. Roupas brancas para chamar a prosperidade. Tudo isso em busca da “suprema” paz. Mas sem perceber que só existe uma verdadeira fonte: o Príncipe da Paz, Jesus Cristo. Que veio no Natal para nos dar a Paz, em sua humildade, pobreza e simplicidade.

“O Senhor volva o seu rosto para ti e te dê a paz!” (Números 6; 26) Isso é o que devemos desejar nesse início de ano. Mas não uma paz qualquer, mas a Shalom. Shalom abrange conforto, tranqüilidade, saúde, amor... Paz em plenitude. A Paz que só Deus pode dar.

“Não vos inquieteis com nada (...) A paz de Deus, que excede toda a inteligência, haverá de guardar vossos corações e vossos pensamentos.” (Filipenses 4; 6-7) Se você não permitir que Deus volte Sua Face para ti, não haverá a verdadeira paz. Mas esta Paz não significa ausência de conflitos e sofrimento, um mar de rosas, como apregoa a Teologia da Prosperidade. Você não vai parar de sofrer, porque também no sofrimento se encontram as lições da vida e o seu crescimento interior, dentre outros ganhos.

Porém, terá como sua segurança, seu refúgio, seu amparo, fiel ao seu lado, não apenas artefatos ou algo abstrato, mas uma Pessoa: Jesus e Deus. Que te acompanhará pelo resto da sua vida se você permitir, se você não se afastar – pois Ele nunca se afasta. Não pode haver Paz maior.

Como o coro de anjos cantou no Natal: “Glória a Deus nas alturas e Paz na terra aos homens de boa vontade.” Siga em frente e nunca se esqueça de que tem Alguém olhando e velando por ti.

Então, para este 2009, de modo especial, fica o meu desejo: “O Senhor volva o seu rosto para ti e te dê a Paz!” Shalom!