domingo, julho 29, 2018

Estripulias

Que atire a primeira pedra quem nunca fez estripulia – o dicionário está mandando eu escrever "estrepolia", mas nem a pau! Começo aqui minha traquinagem.
Qualquer um tem uma historinha de criança, por mais quietinha que a pessoa seja (e eu não fui uma criança assim, boquiabertem-se).

Num dos casos, saí correndo como um louco pelo terraço do apartamento onde morava. Como nunca fui um velocista do tipo do Bolt (nem mesmo do tipo do Rubinho), não sei como consegui derrapar e fui com tudo para cima do viveiro dos passarinhos. A gaiola grande desabou, derrubando água e comida, quase matando os bichos do coração. Prevendo uma bronca daquelas, aproveitei a ausência dos meus pais e corri para arrumar, varrer e enxugar tudo. Ufa, tinha apagado todas as pistas.
Horas depois, quando meu pai foi dar uma olhada nos passarinhos, ficou espantado porque eles estavam sem água e praticamente sem comida. Ou seja, o inteligente quase matou as aves de fome e sede. Parabéns, Gabriel, serviço completo. Não tive jeito a não ser confessar – merecia uma penitência de 10 Ave-Marias sem poder dar um pio.

Nessa área de travessuras, sempre existe o risco de um pirralho meter o dedo na tomada. E quando o fedelho quer fingir que a tesoura é um plugue? Pois é, eu fiz isso quando era pequeno. Enfiei a tesoura com vontade na tomada, mas o anjo da guarda tinha feito um pacto de não agressão com Murphy (não o Eddie) e sussurrou no meu ouvido: "Pega a tesoura de cabo de plástico, não a toda de metal, pelo amor de Deus." Na mesma hora saíram faíscas da tomada, eu levei um susto e taquei a tesoura de volta na gaveta da máquina de costura.
Mais tarde, eu não estava presente, mas soube que ocorreu o primeiro caso de delação ingênua registrado na História. Minha mãe pegou a querida tesoura e falou algo do tipo: "Que estranho, parece que a ponta tá derretida." Minha irmã prontamente disse: "Gabriel enfiou na tomada e saiu foguinho!" A tesoura teve que ser amolada e a história entrou para a posteridade. A expressão, inclusive, já consta no Dicionário Cumaddig (435ª edição) como sinônimo de mongolice.

Situações assim existem várias, como quando espalhei óleo pela casa toda ou quando quebrei uma porta de vidro em cima de outra pessoa (mas evito comentar para não ser fuzilado com os olhos rs).
Novamente, o mais interessante neste papo todo é saber: Quais estripulias vocês já fizeram? Ou mesmo estrepolias, se você for mais puritano; eu não julgo.

quarta-feira, julho 25, 2018

Sinais

Na estrada, uma placa:
ATENÇÃO
CURVA ACENTUADA
Esse Novo Acordo já está extrapolando.

domingo, julho 22, 2018

Desejo a todos uma boa viagem

O metrô se aproxima da plataforma de São Cristóvão sob o sol forte. Como sempre, todos os vagões estão bem cheios. Consigo me espremer para dentro e achar um lugar para me segurar. O trem faz seu percurso ao ar livre até a Cidade Nova e eu me perco em pensamentos, é um caminho nada novo.

Quando volto à realidade, vejo um grupo junto à porta do outro lado, devem ter acabado de entrar. Estão todos de vermelho, provavelmente trabalham juntos nas Americanas ou numa empresa qualquer. O trem segue seu caminho e já estou pronto para voltar ao devaneio quando o metrô para entre duas estações.

Solto um suspiro, que se multiplica pelos outros passageiros. Ouço algumas reclamações. Acontece sempre antes da Central, mas é de praxe resmungar, né? Essas tais linhas do metrô que na verdade são uma coisa só...
Desta vez o condutor do trem não fala o discurso de costume. Até ele deve estar cansado de justificar o engarrafamento subterrâneo.

Um celular começa a tocar uma música famosa: "Bella Ciao". Dá vontade de cantar o refrão da série de TV, mas nesta hora, não sei como, um espaço parece se abrir no vagão, e o grupo vermelho emerge com máscaras do Romero Britto e entoa num coro de duas vozes:

Esta manhã eu já pensei
Crivella, tchau, Crivella, tchau, Crivella, tchau, tchau, tchau
Esta manhã eu já pensei
Chegou a hora do pastor

Os passageiros não sabem se riem ou se ficam espantados. Consigo ver que um dos Romeros abre a mochila e saca uma impressora HP, e outro surge com um laptop. Com os dois ligados, o primeiro lunático começa a imprimir algo. O que raios aquelas pessoas estão fazendo? Tem início um burburinho entre os passageiros.

– Silêncio! – grita o Romero da HP e todos obedecem, chocados. – Vamos ficar parados aqui...
– Ah, grande novidade – interrompe uma mulher. – Todo dia a gente fica parado várias vezes.
– Se você não calar a boca, vamos te trancar na estação Carioca 2. Ou quem sabe dar uma nadada na Gávea alagada?

A expressão da mulher é de desespero. Ela se cala.

– Continuando... – retoma o Romero. – Fizemos o condutor de refém e vamos ficar aqui imprimindo dinheiro. Nosso objetivo é torná-lo popular, como fez nosso mestre com a arte. Somos Paciência, Piedade, Pechincha, Glória, Cosmos, Abolição, Bonsucesso e Encantado, comandados pelo genial Todos os Santos. Espero que ninguém se sinta ofendido pelos nomes.

Se alguém iria se manifestar, não dá para saber, pois neste momento o metrô se põe a andar, mas quase no mesmo instante dá uma freada brusca e os passageiros só não caem todos no chão porque não há tanto espaço de queda.

– Acho que estamos tendo algum problema com o condutor – fala o Romero do Lap, se levantando. – Vou lá verificar.

Ele sai do nosso vagão. A impressora continua a todo vapor, sendo abastecida com o que parece papel-moeda. O que vai saindo é cortado por um dos Romeros com uma guilhotina que veio sabe-se lá de onde. Não acredito que aquilo está acontecendo. Será que eles viram muito O homem que copiava?

De repente, pelo alto-falante do vagão, sai uma voz: "Em nome do Metrô Rio, peço desculpas pela frenagem automática do sistema."
– Agora, sim. Não suporto gente que não dá satisfação – comenta um dos Romeros.

O trem, então, volta a andar repentinamente. Todos se entreolham, confusos. Os Romeros parecem não se importar.
O Romero do Lap volta para nosso vagão, estão todos em suspense.
– Pessoal, já consegui comprar um fone de 3 metros de fio e aquela balinha mastigável que eu adoro. Falei para o condutor tocar o bonde. Também não quero que ninguém leve esporro do chefe.

Quando o trem já vai parar na Central, os malucos pegam todo o dinheiro, desligam os aparelhos. No segundo antes de se abrirem as portas, eles gritam "Onde está a Linha 3?"
Os oito pulam para fora e o dinheiro voa para todo lado. Os passageiros não se contêm e pegam as notas, alguns até se estapeiam.

Olho para a minha cédula e vejo que é apenas um panfleto convocando para uma manifestação a favor do impeachment do prefeito. É cada coisa ridícula que se faz para divulgação...
Entro no evento do Facebook e clico em "Comparecerei".

sábado, julho 14, 2018

Dia de casório

Há uns dez anos, fui convidado para o casamento de uma colega. Não éramos próximos, mas trabalhávamos juntos, então fui chamado.

Eu e Carla nos encontramos e fomos de táxi para Botafogo. O motorista nos deixou na rua e nos aproximamos de um portão que guardava o jardim de uma bela capela. Perguntamos a um homem que estava ali: “É aqui que vai ter um casamento?” Ele confirmou e subimos a ladeira até a capela.

Sentamos num banco do meio e esperamos. Esperamos muito, e nada da noiva chegar. Um cara no banco da frente estava conversando com as pessoas do nosso lado, ofereceu bala para elas, ofereceu pra gente mesmo sem nos conhecer. Nós aceitamos para passar o tempo.

Enfim, continuei esperando. Mas finalmente começou a tocar a primeira música. Entrou o noivo com a mãe, depois o pai dele com a mãe da noiva, a procissão de padrinhos. Era chegada a grande hora. Ouviram-se os primeiros acordes da Marcha Nupcial, as portas da igreja se abriram e a noiva entrou com o pai.

Na mesma hora, falei pra Carla: “Amor, essa não é a minha colega!”
A gente tinha entrado no casamento errado!

Esperamos os dois chegarem ao altar e, de forma discreta, saímos da capela – se é que dá pra sair discretamente do banco do meio logo depois que a noiva chegou. Começamos a rir muito e fomos tentar descobrir onde era o casamento mesmo. Descobrimos que era um pouco mais à frente, que o local não era uma igreja e que a cerimônia já tinha acabado...

Envergonhado, contei o ocorrido a um conhecido lá e ele simplesmente disse: “Acontece.”
Acho meio difícil isso ser comum, mas sempre conto pras pessoas darem boas risadas.

domingo, julho 08, 2018

O lago da casa

– Olha que legal, mãe, um lago!
– Lucas, não se apoia na janela, é perigoso!
Mamãe me arranca do parapeito e me dá um puxão de orelha.
– Ai! – berro e esfrego a orelha.
– O que é isso? – pergunta papai ao corretor.
– É um terreno abandonado. Uma construtora ia fazer um hotel, mas a obra foi embargada e, com as chuvas, vai acumulando água. Mas não se preocupe: a Prefeitura sempre faz vistoria e tem até peixes aí para comer possíveis larvas.

"A obra foi embargada"? Já ouvi mamãe falar que titia estava com a voz embargada por causa do choro. Será que todo mundo começou a chorar e não deu pra continuar a obra?
Mas o que me interessa mesmo daquele monte de palavras são os peixes. Então é um lago mesmo! Imagina, a janela do quarto de casa dando pra um lago!

– Pai, mãe, vamos comprar, eu quero um lago!
– Filho, temos que pensar ainda qual é o melhor apartamento, tá? – responde papai. – Obrigado, já está bom, nós vamos agora – completa ele ao corretor, e vamos embora.

No caminho para casa – que em breve não será mais nossa casa –, fico calado visualizando o lago: uma água verdinha cheia de plantas, umas colunas pequenas de pedra com passarinhos pousados... Nunca vi nada parecido no meio da cidade. Nas ruas mesmo mal tem árvores.
Não sei se por minha insistência ou por causa de outra coisa, meus pais resolvem comprar a casa do lago.

Sabendo que eu vou querer admirá-lo todo dia, eles deixam a porta do quarto deles trancada pra eu não cair na tentação de dar uma espiada sem ninguém perto.
Passarinhos dando rasante pra beber água, peixes ondulando, libélulas sobrevoando... aparece até uma garça alguns dias!

Um dia acordo de um dos meus sonhos com vontade de ir ao banheiro. No caminho, escuto meus pais cochichando.

– Rui, você soube que os vizinhos estão reclamando do terreno? Mesmo tendo controle da Prefeitura, parece que conseguiram na Justiça que aterrem tudo. Sabe como é, pessoal paranoico com dengue, essas coisas... Vão acabar com o lago.
– Caramba... Coitado do Lucas. Ele vai ficar inconsolável.

Eu não sei o que é inconsolável, mas sei que estou triste, muito triste. Começo a chorar e até esqueço do xixi.
– Lucas, você tá acordado? – pergunta mamãe, aparecendo na porta da sala.
Acho que é com a voz embargada que solto minha dúvida:
– Mãe, árvore dá dengue?
– Não, filho, é quando tem água parada... – começa ela, mas eu a interrompo:
– Então por que não tem árvore nenhuma na rua? Por que a gente não vê natureza por aqui? Por que querem matar o lago?

Mamãe fica em silêncio. Papai continua calado, então fala:
– Você quer que eu te leve lá?
Na mesma hora minhas lágrimas secam. Eu ergo os olhos.
– A gente pode ir?
– Eu dou um jeito.

Alguns dias depois, papai "mexe os pauzinhos" (não sei o que pauzinhos têm a ver com a história) e conseguimos entrar no terreno com uns funcionários da Prefeitura.

Paro na beira do lago, observando maravilhado. Levo um susto com um passarinho que dá um rasante em mim, então começo a rir. Pego a câmera do papai e vou tirando foto atrás de foto pra registrar o grande evento. A garça dá o ar da graça e surge, andando no seu passo lento, com certeza querendo pegar um dos peixes. Fecho os olhos e inspiro fundo para sentir todos os cheiros.

Então abro os olhos e vou mais até a beirinha, me abaixo e arranco um talinho de planta. Guardo de recordação na minha carteirinha.
Quando me levanto, um bem-te-vi começa a cantar. Eu sei que está na hora de partir.

domingo, julho 01, 2018

Inveja branca

"Quando oiei meu amigo lendo
Em Paris numa mansão
Eu invejei, meu Deus do céu, ai
Mas que tamanha ostentação

Falam que é inveja branca
Todo mundo usa a expressão
Isso num disse
É só modinha
Conheço bem
Meu coração"