domingo, julho 08, 2018

O lago da casa

– Olha que legal, mãe, um lago!
– Lucas, não se apoia na janela, é perigoso!
Mamãe me arranca do parapeito e me dá um puxão de orelha.
– Ai! – berro e esfrego a orelha.
– O que é isso? – pergunta papai ao corretor.
– É um terreno abandonado. Uma construtora ia fazer um hotel, mas a obra foi embargada e, com as chuvas, vai acumulando água. Mas não se preocupe: a Prefeitura sempre faz vistoria e tem até peixes aí para comer possíveis larvas.

"A obra foi embargada"? Já ouvi mamãe falar que titia estava com a voz embargada por causa do choro. Será que todo mundo começou a chorar e não deu pra continuar a obra?
Mas o que me interessa mesmo daquele monte de palavras são os peixes. Então é um lago mesmo! Imagina, a janela do quarto de casa dando pra um lago!

– Pai, mãe, vamos comprar, eu quero um lago!
– Filho, temos que pensar ainda qual é o melhor apartamento, tá? – responde papai. – Obrigado, já está bom, nós vamos agora – completa ele ao corretor, e vamos embora.

No caminho para casa – que em breve não será mais nossa casa –, fico calado visualizando o lago: uma água verdinha cheia de plantas, umas colunas pequenas de pedra com passarinhos pousados... Nunca vi nada parecido no meio da cidade. Nas ruas mesmo mal tem árvores.
Não sei se por minha insistência ou por causa de outra coisa, meus pais resolvem comprar a casa do lago.

Sabendo que eu vou querer admirá-lo todo dia, eles deixam a porta do quarto deles trancada pra eu não cair na tentação de dar uma espiada sem ninguém perto.
Passarinhos dando rasante pra beber água, peixes ondulando, libélulas sobrevoando... aparece até uma garça alguns dias!

Um dia acordo de um dos meus sonhos com vontade de ir ao banheiro. No caminho, escuto meus pais cochichando.

– Rui, você soube que os vizinhos estão reclamando do terreno? Mesmo tendo controle da Prefeitura, parece que conseguiram na Justiça que aterrem tudo. Sabe como é, pessoal paranoico com dengue, essas coisas... Vão acabar com o lago.
– Caramba... Coitado do Lucas. Ele vai ficar inconsolável.

Eu não sei o que é inconsolável, mas sei que estou triste, muito triste. Começo a chorar e até esqueço do xixi.
– Lucas, você tá acordado? – pergunta mamãe, aparecendo na porta da sala.
Acho que é com a voz embargada que solto minha dúvida:
– Mãe, árvore dá dengue?
– Não, filho, é quando tem água parada... – começa ela, mas eu a interrompo:
– Então por que não tem árvore nenhuma na rua? Por que a gente não vê natureza por aqui? Por que querem matar o lago?

Mamãe fica em silêncio. Papai continua calado, então fala:
– Você quer que eu te leve lá?
Na mesma hora minhas lágrimas secam. Eu ergo os olhos.
– A gente pode ir?
– Eu dou um jeito.

Alguns dias depois, papai "mexe os pauzinhos" (não sei o que pauzinhos têm a ver com a história) e conseguimos entrar no terreno com uns funcionários da Prefeitura.

Paro na beira do lago, observando maravilhado. Levo um susto com um passarinho que dá um rasante em mim, então começo a rir. Pego a câmera do papai e vou tirando foto atrás de foto pra registrar o grande evento. A garça dá o ar da graça e surge, andando no seu passo lento, com certeza querendo pegar um dos peixes. Fecho os olhos e inspiro fundo para sentir todos os cheiros.

Então abro os olhos e vou mais até a beirinha, me abaixo e arranco um talinho de planta. Guardo de recordação na minha carteirinha.
Quando me levanto, um bem-te-vi começa a cantar. Eu sei que está na hora de partir.

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