quinta-feira, maio 20, 2021

Panela de pressão

Era fim de expediente e, o melhor de tudo, uma sexta-feira. Os últimos funcionários estavam saindo, prontos para um happy hour: o grupinho de sempre – a panelinha que infernizava a empresa – e até o chefe direto deles.
Todos se enfiaram no elevador, a animação borbulhando, antecipando os drinques e petiscos.

– Camila, você que tá mais perto, aperta esse botão que a viagem é longa até lá embaixo! – gritou Walter.
O elevador começou sua descida suave, silenciosa, e o papo continuou solto. Até que houve um baque e o elevador parou abruptamente.

Não acredito que a gente vai ficar preso nessa joça em plena sexta! – resmungou Viviane.

Calma, é só apertar o botão de emergência – falou Rachel, e ela mesma fez o serviço.

Não se ouviu nenhum barulho. Ninguém sabia se era para soar um alarme ou algo do tipo.


“Boa noite.”

Houve um suspiro geral de alívio. Alguma funcionária da administração do prédio estava se comunicando com eles.

“Vocês devem estar se perguntando por que eu os reuni neste elevador.”

Como assim, garota? – vociferou Anderson, o chefe. – A gente quer sair desse elevador, ele parou!

“Imaginei mesmo que vocês não fossem reconhecer minha voz.”

Como a gente iria reconhecer a voz de uma empregada qualquer? – bradou Eric.

Peraí, gente, essa voz é familiar… – interveio Camila. – Parece a voz da Valéria.


“Muito bem, Camila. Pelo menos alguém ainda lembra de mim.”

Mas rapidinho você vai ser esquecida, querida – retrucou Rachel. – O que você está fazendo na portaria?


“Depois de todo o assédio que eu sofri por não me sujeitar ao grupinho de vocês, ainda me demitiram alegando justa causa”, disse a voz, parecendo conter a fúria. “Fui eu que parei o elevador.”

O que você quer, sua doida? – gritou Eric. – Vou gravar tudo…

“Ah, Eric, uma coisa simples… Vocês são seis, né? Mas o elevador só tem quatro cantos. Vocês apenas precisam escolher as duas pessoas que não vão sobreviver.”


Silêncio. Então Walter começou a gargalhar.

Maravilhoso, Valéria, adorei a encenação, agora pode soltar a gente.

“Se não se livrarem de duas pessoas, todos vão morrer”, retrucou a voz, com frieza. “O elevador vai cair, e vocês sabem que estão num andar bem alto.”

Todos se entreolharam. 


Claro que isso é blefe, gente – retomou Walter. – A Valéria é maluca, mas nem tanto.

De repente, ouviu-se um estalo alto e o elevador se inclinou um pouco, emitindo um rangido pavoroso. Todos berraram.


Walter, cala tua boca! – berrou Viviane. – Se falar mais besteira, te escolho pra ser eliminado.

Sua palhaça, vou…

Silêncio! – ordenou Anderson. – Algum celular pega aqui? O meu está sem sinal.

O celular nunca pegou no elevador nestes andares mais altos – respondeu Rachel.

Valéria, sei que você não tem coragem de derrubar o elevador, era só pra dar um susto – disse Eric. – Já conseguiu o que queria, o happy hour não vai rolar mais. Pode liberar a gente.

“Eu não estou brincando”, soou a voz de Valéria, numa entonação de dar calafrios.


De algum canto, veio um sibilo. Um gás acinzentado começou a tomar o ambiente, então de repente parou.

Ela p-pode soltar gás aqui dentro também – constatou Camila, trêmula. Após um silêncio estupefato, ela acrescentou: – Voto no Walter e no Eric.

Você enlouqueceu? – rebateu Eric. – O que vocês iriam fazer comigo?

Voto na Camila e no Anderson – interveio Walter.


Vocês só podem estar de brincadeira – replicou Rachel, dando uma risadinha para descontrair, porém soou mais como um guincho nervoso.

Eu voto no Walter e na Viviane – falou Anderson. – Walter, se a gente sair dessa, você está demitido.

– Prefiro ser demitida depois a morrer aqui: voto no Anderson e no Eric – continuou Viviane.

E eu prefiro não arriscar: voto na Camila e na Rachel – declarou Eric e ficou refletindo. – Aliás, a Rachel agora pode ser o voto de Minerva, mas também deixar algumas pessoas empatadas.


Todos encararam a garota.

Gente, vocês nem pensaram direito no que estão votando. Por favor…

Rachel, vota! – mandou o chefe.

E-eu voto… no Walter e no Anderson.


Todos pareciam calcular os votos. Os olhares se voltaram para os últimos votados.


De repente, Walter agarrou Rachel numa espécie de mata-leão e a puxou para um canto.

– Vocês não vão fazer nada contra mim! Se tentarem alguma coisa, ela vai pagar!


Viviane resolveu aproveitar o momento para tirar uma pequena tesoura da bolsa e investir contra Anderson. Chegou a fazer um corte, mas logo foi jogada contra a parede.


Ele já ia se apossar da tesoura, quando soou um estalo ainda mais alto que o anterior. Todos sentiram como se estivessem suspensos por um segundo, então o elevador começou a cair vertiginosamente.


Eles se chocavam uns contra os outros, nas paredes, no chão e até no teto, sem ter onde segurar direito, berrando de forma alucinada, suplicando, rezando.


Até que, abruptamente, o elevador desacelerou… até parar.

Os seis passageiros caíram embolados no chão, ensanguentados, doloridos, talvez com ossos quebrados. Eric parecia inconsciente.


A porta do elevador se abriu e eles estavam no térreo.

Camila conseguiu se colocar de pé, apoiada na parede, e espiou o saguão vazio. Os demais se entreolhavam, desconfiados uns dos outros, a traição estampada em seus rostos.


Anderson conseguiu acordar Eric e, um por um, eles foram saindo, sem querer companhia, dirigindo-se para algum hospital.

Eles nunca mais teriam um happy hour.