terça-feira, janeiro 20, 2009

Na Casa Verde

Itaguaí. Um senhor alto, de óculos, está sentado em uma cadeira, absorto em suas reflexões. Sua mão apoia a cabeça, em meio ao emaranhado da barba, e seu olhar está fixo em um ponto qualquer da casa de paredes brancas e janelas verdes. Batem à porta.

Calmamente, o Dr. Simão Bacamarte se levanta e anda até a porta de entrada. Abre-a de supetão.
- Olá, caro doutor! – um homem moreno de cabelos revoltos exclama - Há tempos que não nos víamos! Posso entrar?
Diante de um esboço de sorriso do alienista, Hilário adentra a Casa Verde, olhando em volta.

- Oh, esta casa parece meio descuidada, vazia... Só você mora aqui, não?
- Meu caro Hilário – a voz gutural do doutor se faz ouvir – o senhor crê que perderia meu precioso tempo com futilidades? Os pensamentos e descobertas que estão por vir são muito importantes para minha vida e esses, sim, me nutrem.
- Sim, concordo com você. Os livros que escrevo e também minhas histórias em quadrinhos, desenhos, são os que me fortalecem. Meus personagens vivem em mim e ao meu redor e convivem comigo. Vejo-os sempre ao meu lado, mas... acho que deva ter bom senso!
- Creio que, tempos atrás, internaria o senhor aqui na Casa Verde, porém, agora, este lugar é reservado somente para mim, o único digno deste espaço sublime...

A campainha toca de novo, contradizendo o médico. Passos fortes e a porta se abre.
- Doutor Escopeta e meu amigo Cômico! Que bom vê-los! – um garoto super-risonho está na soleira, com os braços abertos.
- Ah, não, lá vem de novo ele com suas piadinhas! – Hilário exclama insatisfeito.
- Ora, ora, se vocês não gostassem não teriam me chamado aqui.
- Mas não fomos nós que te chamamos, Pacadinho. – o escritor retruca.
- De qualquer forma vou entrando, messieurs.

A porta se fecha e a luz exterior some, deixando o cômodo na penumbra.
- Vocês não acham que devíamos acender alguma luz, não? Não virei morcego ainda! – ironiza o menino.
- Somente consumo minhas velas, valiosas para o estudo, em circunstâncias especiais. E creio que este é o caso.

Dr. Bacamarte pega uma caixa de fósforos em cima da mesa de estudos e acende uma vela já quase toda consumida.
- Sentemo-nos em volta desta vela para aproveitarmos bem sua luz. Para usufruir dela ainda melhor, lerei algumas anotações minhas realmente geniais.
Hilário e Pacadinho se sentam e se entreolham, resignados.

Neste momento, um grito assustador se ouve e os dois quase caem de suas cadeiras. Somente o doutor está impassível, olhando seus manuscritos. Um homem baixo e gordinho aparece no raio de luz da vela, gargalhando.
- Seu idiota! – grita raivoso Hilário – Tinha que ser você, sua mala!
- Sr. Furtivo Bag, a seu dispor – o homenzinho estende a mão pegajosa, sarcasticamente – Ah, alguém tem um cigarro aí ou algo que se possa fumar?
- Isso, continue fumando bastante e bata logo as botas!
- Sempre o certinho irritadinho, né, Sr. Cumaddig? Não sei para que vim a esta joça!
- Não se impaciente, saberão agora. – uma voz diferente das outras é ouvida.

Um homem alto de cabelos negros surge da escuridão e se posta entre o doutor e o menino.
- Quem é você? – pergunta, insolente, Furtivo.
- Sentem-se. – todos se ajeitam sem questionar – Por que vocês vieram?
- Não sei. – falou Pacadinho - Só sei que tive uma vontade impressionante de vir, como se a Casa me atraísse. Achei que estava ficando lelé, que nem o Doutor Carabina.
Os outros concordaram.

- Pois bem, fui eu que os convoquei. – todos se entreolharam, menos o médico – Meu nome é Machado. Vocês, bem ou mal, se conhecem já. Esbarram-se por aí. Mas possuem uma ligação muito mais forte do que podem imaginar. Entre si e comigo.
Todos o olhavam em silêncio, até Dr. Simão se mostrava interessado.
- Vocês são como irmãos e são como meus filhos. Quando sou inventivo e criativo, recorro ao Hilário. Quando sou engraçadinho, recorro ao Pacadinho. Quando sou maluco ou casmurro, recorro ao Dr. Simão. E quando me viro ao avesso e me mudo... sou o Furtivo. Muitas vezes vocês não aparecem sozinhos, há momentos misturados, é inevitável, por isso já se conhecem. E vocês todos estão dentro de mim, fazem parte de mim, estão aqui – Machado coloca a mão no coração – e aqui – repousa a mão na cabeça. Não sei se existem outros, mas vocês farão parte da minha vida para sempre.

Havia uma grande emoção no ar.
Todos se aproximaram e Machado os abraçou de uma vez só.
Fechou os olhos. Soltou-os.
Olhou em volta e eles já se haviam ido. Sozinho mais uma vez na Casa Verde.

2 comentários:

dade amorim disse...

Oi, Gabriel!
Imagino que você deve ser muito jovem, e fico impressionada com a maturidade de sua escrita, muito correta, e com a consistência de seus textos. Gostei mesmo.
Beijo e sucesso.

José Matos disse...

Oi, Gabriel,
A sua criatividade literária é espantosa! Realmente o Machado do seu nome não foi perdido!
Abraços,
tio Zé