domingo, outubro 14, 2018

BUG

Marcela está atrasada para o trabalho. Ela chega correndo ao prédio, passa pela catraca e agora espera impaciente por um dos elevadores. Bem que podia trabalhar num andar mais baixo, e não quase 20 andares acima.
A fila dá voltas no saguão. O primeiro grupo entra, o segundo vai, deve conseguir ir no terceiro.
Chegou a hora! A cabine já está lotada, mas Marcela não quer saber e se espreme para dentro. O apito do elevador indica que o limite de peso foi excedido e ela é obrigada a sair.

Então chega mais um elevador, vazio. Não tem mais ninguém no saguão. Um elevador só para ela. Antes que ele suma como uma miragem, se joga para o interior.
Marcela logo olha para o visor que indica os andares, pois aquele ali é uma diversão à parte: sempre exibe uma data louca ou uma temperatura insana. Outro dia estava escrito 19/03/2038 e -5ºC.
Hoje nem está tão estranho assim: 30/12/1999 e 40ºC.

Quando chega ao seu andar, ela estaca. O que aconteceu com a empresa? Alguma obra? Não estava assim ontem.
– Boa tarde, senhorita. Em que posso ajudá-la?
É então que repara que não está de manhã. Um sol quente atravessa a vidraça e faz muito calor.
– Ahn, eu trabalho aqui.
– Desculpe, às vezes são muitos rostos.

Atordoada, Marcela anda pelo corredor até onde seria sua sala. Os computadores são muito antigos, as roupas e penteados não parecem atuais. As pessoas a olham com estranheza, não a reconhecendo. Se aquilo é mesmo 1999, ela ainda seria uma criança, nem pensando em trabalhar.

– Caríssimos! – brada uma voz. – Estamos quase terminando o ano, então é uma oportunidade propícia para brindarmos ao próximo que virá. Venham pegar suas taças de champanhe.

Como assim? Eles estão em maio, não em dezembro! Para não ser questionada, Marcela brinda junto com todos.

– Último dia de expediente, estão todos liberados! Só quero ver vocês agora no ano 2000!
Há uma comemoração geral após o anúncio do suposto diretor. Enquanto as pessoas se arrumam para ir embora, desligam seus computadores, ela continua vagando pela empresa, curiosa para ver como tudo é.
Numa mesa, vê a manchete de uma revista: O BUG DO MILÊNIO PODE MESMO CAUSAR ALGUM PROBLEMA SÉRIO? Veja o que especialistas afirmam.
Sim, elevadores malucos.

A empresa já está praticamente vazia. Marcela anda de volta ao saguão do andar e se depara com um cara franzino à espera. Precisa pegar novamente o elevador que a levou até ali. Por acaso, é o que chega primeiro.

Entram juntos. Ela não tem coragem de encarar o visor. Vai que está escrito 2038? Olha de esguelha para o homem ao seu lado. Até que ele é bonito, parece simpático, a deixou entrar primeiro, deu um sorrisinho. Segura um livro, dá a impressão de ser reservado.
Sem conseguir se conter, ela fita o visor: 18/05/2018. Foi quando entrou no elevador. Não pode ser coincidência.

Chegam ao térreo e a porta se abre. Parece o saguão de 2018, mas não tem como saber como era em 1999. Marcela vê as catracas e, principalmente, os porteiros, os mesmos!

– Nós estamos no térreo?
Olha para trás e vê o rapaz, assustado. E se...

– Sim. Você aceita tomar um sorvete comigo? Posso te explicar.
Ele concorda, hesitante.
Obrigada, bug.

2 comentários:

Unknown disse...

Estonteante!!! Fabuloso!!!!

Gabriel Machado disse...

Obrigado!