domingo, dezembro 09, 2018

Bloqueio

Uma página em branco. Sérgio ficou olhando para ela fixamente até seus olhos começarem a secar e arderem. Piscou. Ele não sabia como continuar a história.
Resolveu levantar da cadeira para olhar pela janela. Quem sabe algo na rua lhe desse uma ideia. Sua protagonista tinha acabado de invadir um casarão abandonado com uma amiga, mas Sérgio não sabia o que aconteceria em seguida.

A rua estava vazia como sua cabeça. Francamente, ninguém ajudava um pobre escritor... Teimoso, ele permaneceu parado. Então, pensou ver um cintilar na janela do prédio em frente. Uma mulher apareceu tossindo e uma fumaça saiu pela janela.
– Socorro! – gritou ela, olhando em volta, então avistou Sérgio e começou a acenar. – Socorro, socorro!

Perfeito, o casarão podia pegar fogo quando as meninas estivessem lá dentro. Ele voltou correndo para a cadeira e começou a escrever, mas aí empacou de novo. Só isso? O que poderia instigar os leitores?

Voltou à janela e não viu mais a mulher. Nenhum sinal de bombeiro também. Onde estava o material humano para sua escrita? Será que deveria ligar 193 e interferir no andamento da história? Talvez fosse melhor, para sua protagonista não morrer.

Após o telefonema, esperou impaciente à janela. Foi então que ouviu um baque. Mas veio de dentro do prédio, do lado de fora do apartamento. Espiou pelo olho mágico e a luz do andar estava acesa. Abriu a porta e não viu nada. Olhando pela escada, avistou um vizinho seu, coronel, estatelado num patamar entre dois lances.

O homem o encarou e Sérgio gargalhou com a ideia que lhe veio. E se ela caísse na escada quando estivesse fugindo do fogo? A amiga ficaria desesperada tentando levantá-la... Voltou correndo animado para o computador. Escreveu, escreveu e o bloqueio veio de novo.

Já conseguia ouvir as sirenes dos bombeiros. Mas então soou sua campainha. Abriu sem ver o olho mágico.
– Você é maluco de rir da minha cara?! – O coronel foi entrando com uma arma apontada para Sérgio. – Quero ver rir agora, imbecil.
– O senhor pode esperar só um instantinho?

Deixando o coronel plantado sem entender nada, Sérgio retornou ao computador. Escreveu que, ao fugir, as personagens se depararam com um vigia que cuidava da segurança do casarão. Mas não conseguiu se resolver sobre o que seria melhor acontecer. Voltou à sala.

– Coronel, vá logo em frente. O que pretende fazer?
– Tá fazendo pouco-caso de mim? Acha que não tenho coragem de atirar se continuar debochando?
– Não me entenda mal, mas acho que o senhor nem sabe usar isso aí direito...

Pá! Sérgio sentiu uma dor lancinante na perna e desabou.
– Vê se aprende, otário! – berrou o coronel e saiu.

Sérgio continuou caído, aturdido.
Depois de um tempo, começou a rir. Já tinha a história toda na cabeça.

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