terça-feira, dezembro 18, 2018

Mensagem cifrada

Cláudia estava cansada após uma semana corrida. Tinha feito apresentações, dado aulas, estudado... Vida de músico não era fácil.
Sentada no metrô com o estojo do violino, ela estava quase dormindo quando começou a soar o apito indicando que a porta ia se fechar. Só que não era o barulho normal: estava tão irregular, desafinado que doía nos ouvidos dela.

– Não é possível!
– Terrível, né? – falou a desconhecida ao seu lado.
Para piorar, Cláudia iria passar por várias estações e o suplício continuaria por um bom tempo.

Quando já pensava em trocar de vagão, a mulher falou:
– Percebeu que não é sempre igual?
– Oi, desculpa?
– O apito varia entre as estações, parece se alternar. E, apesar da irregularidade, tem um certo ritmo...
– Você tem um ouvido bom, hein?
– O ritmo é bem parecido com um código Morse, variando entre sons curtos e longos. Quer ver?

A desconhecida pegou um papel e passou a "transcrever" os apitos. Cláudia resolveu ficar no vagão para ver no que ia dar aquilo.
Após 2 ou 3 estações, a mulher ofegou.
– Meu Deus!
– O que foi?
– A mensagem é "alguém me ajude, fui morta neste vagão".

Cláudia revirou os olhos. Só faltava essa agora, uma doida ao seu lado.
– Desculpe, vou mudar de vagão porque não aguento mais esse barulho.
– Não! – Ela lhe segurou o braço. – Eu me chamo Cecília. Só queria te pedir um favor antes de sair: pode tocar no seu violino um código de resposta?

Gente, era louca de pedra. Olhando para a mão dela no braço, Cláudia preferiu aceitar do que ser agredida.
Cecília escreveu uma mensagem pedindo detalhes sobre o crime e converteu para Morse. Cláudia pediu que ela segurasse o papel enquanto empunhava o violino. Esperou o OK da mulher e pôs-se a tocar. Os passageiros acharam que era alguma apresentação ambulante e franziram a testa diante da música esquisita. Porém, com o tempo, se acostumaram, pensando que fosse um tipo de rap com violino e começaram a bater palmas para acompanhar.

Cecília ficou tensa. Devia achar que a mensagem não ia ser entendida direito pela "morta".
Então acabou o "show". Os passageiros aplaudiram e quiseram dar dinheiro, mas Cláudia recusou, para confusão deles.

E aconteceu o improvável: o apito da porta mudou totalmente. Cecília deu um grito e começou a anotar. Após algumas estações, mostrou o papel: "13/10/17, armário 43 Biblioteca Parque Centro."
Cláudia sentiu um calafrio. Não era possível que Cecília estivesse inventando aquilo tudo. Ou era?
A mulher a fez descer na estação e anotou que trem era aquele e qual era o vagão, pois precisava checar depois se tudo desse certo.

Pegaram o metrô no sentido contrário e desceram na Presidente Vargas. Cecília foi puxando a outra até a Biblioteca Parque, onde pediu a chave do guarda-volume 43. Cláudia não sabia no que queria acreditar.
Cecília girou a chave, abriu a porta... e não havia nada. Cláudia agora não sabia se ficava aliviada ou decepcionada. Inconformada, Cecília meteu a mão no cubículo, tateou pelas paredes e o teto, até que deu um gritinho. Puxou um envelope que estava enfiado num canto.
Como se estivesse numa cerimônia, ela tirou de dentro uma folha escrita:

"Meu nome é Clara Moreira Santos, CPF: 112.700.808-40. Eu estou com medo. Queria deixar isto registrado para caso algo aconteça comigo.
Já há algum tempo, sou agredida por meu marido, Alceu Lopes Santos, CPF: 120.680.430-50. Tentei fazer denúncias, contar a algumas pessoas, mas todos parecem hipnotizados, seduzidos por esse escroto. Ele consegue convencer a todos, colocar todos contra mim, como se eu tivesse algum problema.
Toda vez que relatei algo, ele ficou sabendo e me ameaçou de morte. Talvez ele cumpra mesmo, então resolvi instalar câmeras escondidas na nossa casa para gravar as agressões, as ameaças. Antes que algo pior aconteça, espero resolver essa questão.
Vou agora tentar avisar mais uma pessoa, contar sobre esta carta, para que ela saiba o paradeiro. Em breve tudo terminará."

No fim, Clara tinha assinado.
As duas estavam pálidas. Cecília conseguiu trancar o armário e devolver a chave. Com o envelope guardado na bolsa, foram para a delegacia mais próxima e perguntaram pelo assassinato de Clara, que teria acontecido na data da mensagem em Morse.

– Clara Moreira Santos foi encontrada morta num vagão do metrô – informou a delegada após consultar a base de dados. – A polícia nunca descobriu o assassino.
Cecília entregou o envelope à policial. Ela leu e franziu a testa para as duas.
– Onde encontraram isso?
– Estava no armário da Biblioteca Parque. Encontrei por acaso quando fui tirar minha bolsa – mentiu Cecília. – Pesquisei na internet e vi a data do crime.
– Entendo... Vou solicitar uma análise grafológica da carta e, se confirmada a autenticidade, um mandado judicial para poder averiguar o apartamento de Alceu Lopes. O processo deve demorar um pouco.

As duas assentiram. Agora restava esperar. Elas deixaram seus dados e saíram.
Ainda atordoadas, não falavam nada. Resolveram trocar telefones e apenas se despediram. Preferiram pegar ônibus, fugir do metrô, e cada uma fez seu caminho.

Duas semanas depois, receberam uma ligação da delegada: a polícia encontrara as câmeras e atestara as agressões e ameaças, e inclusive os preparativos do marido para o assassinato, que aparentemente fora cometido após um passeio a dois. No fim, o homem havia confessado o crime e já estava preso.

Cecília e Cláudia marcaram de se encontrar na estação Presidente Vargas. Na plataforma, Cecília conferia seu papel, até que comemorou a chegada de um trem. Correram para um dos vagões e esperaram.

O apito ainda estava soando irregular. As duas se entreolharam, apreensivas. O que tinham feito errado?
Cecília esperou a estação seguinte e começou a anotar. Então abriu um sorriso e mostrou o papel para Cláudia:

"Obrigada"

Na outra estação, o apito já tinha se normalizado.

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