domingo, novembro 04, 2018

Nestor Brandão


Rafael sempre gostou de morar na Nestor Brandão. Uma rua arborizada, tranquila, mas perto do comércio, das vias principais. Tinha sido uma sorte conseguir apartamento lá.

Certo dia, chegando do trabalho, ele se deparou com uma carta no escaninho de correspondência. Na verdade era uma notificação bem estranha.

– Amor, recebi uma mensagem bizarra da Prefeitura – comentou Rafael ao entrar em casa. – Diz que nossa rua vai mudar de nome para homenagear uma menina que morreu num assalto. Até aí tudo bem. Mas fala que a rua Nestor Brandão agora vai passar a ser em outro bairro e precisamos nos mudar.

– O quê?! Mas isso é uma maluquice!
– Pois é, vou ver isso na Prefeitura amanhã...

No dia seguinte, Rafael conseguiu falar com um atendente depois de muita espera.
– Senhor, é isso mesmo: a rua nova só vai admitir moradores novos, pessoas que não têm imóvel, especialmente familiares vítimas da violência.

– Como podem fazer isso sem consultar os moradores?
– Não se preocupe, senhor, a rua é exatamente igual, só muda o bairro. Não podemos fazer nada, são as regras.

Rafael esbravejou muito, mas em vão. O atendente explicou que, dali a uma semana, um funcionário da Prefeitura mostraria a rua.
Sete dias depois, após o expediente, ele se surpreendeu ao encontrar o funcionário esperando-o próximo à sua rua.

– A visita vai ser agora à noite?
– Sim, senhor, logo que sua esposa chegar.

Olhando para trás do homem, Rafael não reconheceu sua rua. Já não havia tantas árvores, as fachadas pareciam diferentes... Onde estava o canal? Ele balançou a cabeça. Escuridão e vista cansada não eram uma mistura boa.

Mônica chegou e eles pegaram carona com o funcionário. Alcançaram, por fim, a nova rua. Os dois ficaram boquiabertos: era exatamente igual à rua antiga. Nos mínimos detalhes. Todos os prédio idênticos.
Quando entraram no apartamento, perceberam algo surreal: todos os seus móveis já estavam lá, na ordem perfeita do imóvel anterior. Aliás, até as desordens deixadas tinham sido copiadas.

– Como isso é possível?... – falou Mônica.
– Senhores, não poderão mais voltar ao local da antiga moradia. Eu não quis dizer nada antes para poderem ver com os próprios olhos que está tudo como deveria estar. Qualquer dúvida, entrem em contato. – O homem entregou um cartão de visitas e saiu.

Mônica fitou o cartãozinho: "Francisco Wolks - Coordenador de Transposição de Regiões".
– Como podem fazer isso com a gente?

Ainda sem reação, Rafael ligou a TV. O telejornal mostrava um protesto.

– É um absurdo! – gritava uma mulher para uma repórter. – Colocaram nossas casas num lugar distante sem aviso! Agora construíram essas mansões da noite pro dia só porque é bairro rico!

– Senhora, é impossível transportar casas, assim como construir algo assim tão rápido. Vocês moravam mesmo aqui? Têm provas?
– Isso não vai ficar assim, vou buscar justiça!

Mônica virou para o marido com um olhar interrogativo. Rafael quebrou o silêncio, dando de ombros:

– Veja pelo lado bom: estamos num bairro melhor. Subimos de status num estalar de dedos.Nem todo mundo tinha sorte como eles. Os outros precisavam se esforçar mais. esforçar mais.

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